Queimadas ajudam a preservar diversidade de
espécies no cerrado
REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA 01/09/2017 02h01
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA 01/09/2017 02h01
Cerrado, que tem sua
biodiversidade beneficiada quando há queimadas controladas
O
único jeito de preservar a diversidade de espécies do cerrado, um dos biomas
mais ricos e ameaçados do Brasil, é queimá-lo de vez em quando.
Sem a presença intermitente do fogo, as plantas típicas desse ambiente correm o risco de sumir, dando lugar a uma formação florestal relativamente empobrecida, revela um estudo feito no interior paulista.
Sem a presença intermitente do fogo, as plantas típicas desse ambiente correm o risco de sumir, dando lugar a uma formação florestal relativamente empobrecida, revela um estudo feito no interior paulista.
De
modo geral, as áreas de cerrado do município de Águas de Santa Bárbara (SP) que
passaram três décadas sem serem tocadas pelas chamas devem ter perdido 27% de
suas espécies vegetais e 35% de suas espécies de formigas (grupo muito
diversificado, que serve como indicador da biodiversidade animal da região como
um todo).
Se
a conta incluir somente os "especialistas" em cerrado, que vivem
apenas nesse bioma, o cenário fica ainda mais desanimador: perda de 67% das
plantas e 86% das formigas.
"A
gente acabou de apresentar os resultados num congresso sobre restauração
florestal, e todo mundo ficou espantado", contou à Folha a pesquisadora
Giselda Durigan, do Instituto Florestal (órgão do governo do Estado).
Giselda
e seus colegas (de instituições como Unesp, Unicamp, Universidade Federal de
Uberlândia e Universidade da Carolina do Norte) também estão publicando os
dados na edição desta semana da revista especializada "Science
Advances".
Em
alguma medida, o problema detectado pela equipe seria esperado, visto que os
vários tipos de vegetação que perfazem o cerrado parecem ter evoluído para se
adaptar à ação dos incêndios naturais, provocados pela longa estação seca que
caracteriza o bioma.
De
fato, diversas plantas desse ambiente precisam até de uma mãozinha do fogo para
que suas sementes germinem. Outras, como os arbustos e as gramíneas, não
conseguem crescer em áreas de vegetação mais fechada, e a queima periódica
ajuda a manter o terreno livre para que prosperem.
NA PRÁTICA
Nas
circunstâncias atuais, no entanto, as áreas que são reservas naturais tendem a
adotar uma política restritiva de controle de incêndios, ao passo que os
trechos de cerrado nas mãos de proprietários rurais, além de já muito
degradadas e fragmentadas, não queimam como antigamente.
Giselda
e seus colegas usaram dois métodos para medir o impacto dessa transformação.
Primeiro, estudaram a diversidade de espécies de plantas e formigas em 30
trechos diferentes de cerrado da Estação Ecológica de Santa Bárbara.
Incluíram
na análise tanto áreas em que o cerrado é naturalmente mais fechado, com
presença razoável de árvores, quanto as que têm predomínio de campos mais
abertos –e, o que é crucial, os trechos onde formações florestais surgiram faz
pouco tempo, nas últimas décadas.
A
medição da diversidade de espécies atual foi comparada com imagens de satélite
que ajudam a contar como era a região há 30 anos e como ela está hoje.
É
isso o que ajuda os pesquisadores a saber qual seria a distribuição de espécies
típica do cerrado "natural" e, portanto, o quanto se perdeu com o
aparecimento das novas matas. "Em geral, essas áreas florestais novas são
formadas por espécies muito generalistas. Em inglês, o pessoal usa até o termo
'tramp species' [espécies vagabundas]", conta a pesquisadora.
Nas
condições atuais, explica Giselda, deixar que os incêndios naturais façam a
diversidade de espécies do cerrado voltar ao normal não seria uma boa ideia por
causa da fragmentação do ambiente, que poderia perder suas poucas áreas
remanescentes se não houver controle.
O
ideal seria o manejo ativo do fogo nessas áreas. "Temos um conhecimento
tradicional que poderia ser empregado para ajudar nisso, como o do manejo de
pastos, dos próprios canaviais, e o utilizado pelas populações indígenas há
séculos."
FOGO DO BEM
O cerrado sofre queimas espontâneas,
que o renovam
O
cerrado é um bioma que combina áreas com mais espécies de árvores e vastos
trechos de vegetação aberta, com biodiversidade única que depende da forte
presença da luz solar e de incêndios naturais periódicos para que suas sementes
germinem
VIROU FLORESTA
O
manejo das reservas naturais do cerrado hoje, bem como alterações trazidas pela
expansão agropecuária, tem impedido esses incêndios naturais. Numa área de
cerrado do interior de SP, essa mudança fez com que áreas naturalmente abertas
virassem floresta nos últimos 30 anos
A agropecuária impede esse
fenômeno natural
MENOS
ESPÉCIES
O
resultado foi uma diminuição de cerca de 30% na diversidade de espécies de
plantas e de formigas dessas áreas -provavelmente porque espécies únicas do
cerrado já não conseguiam se estabelecer
Após os incêndios, há um aumento da biodiversidade
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COM CUIDADO
Para reverter essa perda, o recomendável é fazer a
queima controlada dessas áreas abertas do bioma
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