Na maior bacia hidrográfica
do planeta, desafio é levar água aos ribeirinhos
16/04/2014 8:58
Viver na maior bacia
hidrográfica do planeta não garante aos ribeirinhos da Amazônia o acesso à
água. Fazer com que esse bem chegue às casas – especialmente no período de
seca, quando aumenta a distância até o rio – requer força nos braços, para
carregar as latas, ou dinheiro para bancar o diesel usado nos motores que
bombeiam a água para as caixas comunitárias. Apesar da proximidade com os rios,
muitos ribeirinhos têm a qualidade de vida prejudicada devido à dificuldade de
levar, a seus lares, esse recurso natural tão necessário para os afazeres
domésticos, para a saúde e para a higiene. Veja a galeria de fotos.
Dependendo
do período, a distância até o rio pode ser de quase 1 quilômetro (Foto: Tomaz Silva/Agência
Brasil)
Dependendo do
período, a distância até o rio pode ser de quase 1 quilômetro, relatou à
Agência Brasil a integrante do Grupo de Pesquisa das Populações Ribeirinhas do
Instituto Mamirauá Dávila Correa. “E como a água é usada principalmente para
tarefas domésticas, geralmente quem a carrega são as mulheres”, acrescentou a
socióloga e pesquisadora.
A dificuldade em
levar água até as casas faz com que muitos optem por se banhar nos rios da
região. Mas isso pode implicar riscos, principalmente para as crianças. “Banho
aqui é sempre no rio. Se for durante o dia, é de roupa. À noite, pelado”, disse
Tânia Maria de Sales, 34 anos. “Meu medo são os bichos. Tem muitas cobras,
jacarés e piranhas por aqui”, acrescentou a ribeirinha que já perdeu três
sobrinhos por afogamento, na comunidade Nossa Senhora da Aparecida – localizada
no Lago Catalão, a cerca de uma hora de barco de Manaus.
Quem opta pelos
motores a diesel para bombear água até as caixas comunitárias arca também com
os custos elevados. “O problema é que o diesel por aqui é muito caro. Chega a
custar R$ 4 o litro”, disse o presidente da Comunidade São Francisco, Raimundo
Ribeiro da Silva, 49 anos. “Esse preço dificulta as coisas. O gerador fica
desligado porque temos de economizar combustível. Em média, são sete litros por
dia para fazê-lo funcionar das 18h às 22h. A conta fica perto de R$ 1 mil por
mês”, acrescentou.
Sobra então para as
mulheres da comunidade que, a exemplo de Anicélia Barbosa Mendes, 21 anos,
precisam de água para lavar a roupa e a louça da família. “A falta de água
tratada é o que mais prejudica a comunidade. Aqui em casa temos de ferver a
água do rio para poder bebê-la. Por isso gastamos muito dinheiro com botijão de
gás, que custa R$ 50. A gente consome um por mês. Dinheiro que economizaríamos
se tivéssemos tratamento de água.”
A comunidade de São
Francisco espera ser beneficiada por um sistema de bombeamento de água por
energia solar que já chegou a outras 15 comunidades da região. Os sistemas
foram instalados pelo Instituto Mamirauá entre 2010 e 2013. “Desenvolvemos essa
tecnologia depois de ver o quanto o acesso à água pode melhorar a qualidade de
vida dos ribeirinhos”, explicou a pesquisadora Dávila Correa.
O primeiro protótipo
dessa tecnologia foi apresentado em 2000. “O banho nos rios passou a ser feito
com maior intimidade, dentro ou nas redondezas das casas. Isso, além de reduzir
o número de acidentes, causou impacto significativamente positivo nas áreas
sociais. Quando o sistema é implementado, as atividades domésticas feitas na
beira do rio passam para a casa, diminuindo o estresse em toda a comunidade.
Sobretudo em mulheres e crianças”, acrescentou.
Ribeirinhos
buscam na pesca sustentável uma forma de evitar escassez do pescado no ano
seguinte (Tomaz Silva/Agência Brasil)
O sistema
desenvolvido pelo instituto venceu, em 2012, o Projeto Finep de Inovação na
categoria Tecnologia Social. Como diminui o consumo de óleo diesel, o
equipamento é ambientalmente indicado por evitar emissões de gases para a
atmosfera. “Ele também apresenta resultados positivos para a saúde da
população”, explicou Dávila.
Foi o que constatou a
agente de Saúde Comunitária Ivone Brasil Carvalho, 28 anos, da comunidade Vila
Alencar, uma das 15 beneficiadas pelo sistema. “O sistema ajudou muito. As mães
sofriam porque na seca o rio fica bem longe. Agora, a gente tem água em terra
todos os dias. Diminuiu também, tanto em adultos quanto em crianças, a
incidência de doenças como gripe, tosse e diarreia porque a água chega
pré-filtrada nas casas”, disse a agente de saúde.
A comunidade já fazia
coleta de água de chuva, com calhas e tanques fornecidos pelo programa
Pró-Chuva. “Mas, agora temos fartura de água, a ponto de alguns tanques virarem
piscina para as crianças”, disse ela ao mostrar Wisle Santos Castro, de 15
anos, que brincava com uma cuia em uma caixa d’água. “As famílias nunca
imaginavam poder, um dia, tomar banho em casa”, acrescentou a ribeirinha
Ednelza Martins da Silva, 42 anos.
Outra comunidade
beneficiada pelo sistema de bombeamento de água por energia solar foi Boca do
Mamirauá, onde vive a guia comunitária Francilvânia Martins de Oliveira, 24
anos. “Melhorou muito nossa situação durante a seca. Antes, tínhamos de descer
para lavar a roupa ou pegar água, correndo sempre o risco de esbarrar com
bichos. Agora tem até máquina de lavar roupa aqui na comunidade.”
Em 2013, o Instituto
Mamirauá fez um monitoramento da qualidade da água nas 15 comunidades
beneficiadas pelo sistema. “Ainda falta concluir a última comunidade, mas a
adoção do sistema certamente implica benefícios nas áreas de saúde”, disse
Dávila Correa, referindo-se ao estudo que está analisando a água dos rios, das
caixas d’água, das torneiras e dos recipientes que guardam a água nas
comunidades atendidas.
O custo de instalação
dos 15 sistemas chegou a R$ 400 mil, valor que inclui os gastos com assistência
técnica. “Nós [do Instituto Mamirauá] temos o compromisso de instalar, a cada
ano, dois sistemas nas comunidades”, informou a integrante do Grupo de Pesquisa
das Populações Ribeirinhas.
Por 11 dias, no mês
de fevereiro, a equipe de reportagem da Agência Brasil viajou pela Amazônia
para conhecer o dia a dia dessas comunidades. A vida dos ribeirinhos também
será destaque no programa Caminhos da Reportagem, que será exibido pela TV
Brasil nesta quinta-feira (17), às 22h.
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