Rota
Romântica na Baviera, Alemanha, vai fazer você suspirar (mesmo se estiver
sozinho)
Entre castelos e vilarejos, vinhos e cervejas,
salsichas e batatas, nosso repórter percorreu a mais apaixonante das rotas
alemãs – uma Baviera em estado de graça
Estrada rural em Füssen, um convite
para se perder na Rota Romântica
Arrasada
pela Segunda Guerra, a Alemanha do final da década de 1940 agonizava. Sem
dinheiro para se reerguer, um conjunto de cidades da Baviera se uniu e criou algo que ficou tão famoso
quanto a Oktoberfest: aRota
Romântica. A ideia era cândida: atrair turistas, principalmente
os soldados americanos ainda presentes no país. Hoje a Rota recebe quase 2
milhões de visitantes por ano, que percorrem 380 quilômetros de estradas
secundárias entre 28 cidades de sonho. Se a crise europeia poupou a Alemanha,
parece ter sido ainda mais complacente com a Baviera. Numa terça-feira, nesta
última temporada de verão, um casal de turistas não conseguia se hospedar em
Würzburg. “Estamos lotados”, disse a eles Ubrich Kölber, dono de uma pousada
local. “Neste ano [2012], o movimento aumentou 10%.”
A maior
parte dos visitantes faz a Rota de carro. E, como as estradas e os autos
alemães são tudo aquilo que gostaríamos que fossem os do Brasil, considere você
também essa opção. Para os menos sedentários, há uma bela ciclovia – mas, aí,
com um bônus de 110 quilômetros. Eu me decidi por uma terceira via, o Romantic Road Coach,
um ônibus que dá reembarques livres em todas as paradas da Rota com um só
bilhete. De Frankfurt a Füssen, rodei o percurso em cinco dias. E voltei feliz
para o Japão, onde moro – aliás, na viagem descobri que Alemanha, Brasil e
Japão têm cada um sua Rota Romântica (a brasileira, na Serra Gaúcha, de São
Leopoldo a São Francisco de Paula). Na Rota alemã, muitos começam a viagem em
Munique, visitam os castelos e seguem até Frankfurt. Eu fiz o inverso, deixando
os Alpes para o fim – certamente o chantilly do Apfelstrudel.
DE
FRANKFURT A WÜRZBURG
Barroco
alemão
Frankfurt não faz parte da rota,
mas é a principal porta de entrada alemã para os brasileiros. Importante centro
empresarial, a cidade preserva sua história a despeito da face business. Com o
dia livre, comprei um cartão de transporte integrado e um city tour em ônibus
double deck, parando em lugares como a Casa Goethe, onde nasceu o poeta alemão,
o Römerberg, bairro com a típica arquitetura germânica, e Schaumainkai, reduto
de museus ao lado do Rio Main.
No dia seguinte, acordei cedo
para embarcar no ônibus em fente à estação central. O motorista me deu um mapa
da Rota em japonês, que eu troquei por outro em inglês. Maioria entre os
turistas, os japoneses chegam a reservar hotéis inteiros na região. Pouco mais
de 1h30 depois chegávamos a Würzburg, já na Baviera. A primeira imagem da
cidade fez um casal de idosos – japoneses – suspirar alto: “Como é romântica!”
Até eu me enlevei, esquecendo que fazia a viagem so-zi-nho!
Würzburg é um charme. Cercada por
parreirais, a capital vinícola da Franconia produz bons vinhos brancos da uva
silvaner, envasados nas Bocksbeutel (“saco de bode”, referência ao bojo redondo
das garrafas). O Rio Main corta a cidade, e é às suas margens que estão os
melhores bares e restaurantes para apreciar o far niente alemão.
Dá para dizer que esta é uma
Alemanha bachiana: há igrejas góticas e barrocas, a Fortaleza de Marienberg, o
Palácio Residenz, obra-prima de Balthasar Neumann, o Beckenbauer do barroco
germânico. Patrimônio Mundial, o palácio derrubou meu queixo logo no teto da
escadaria, adornado com um monumental afesco de Tiepolo. Não parece, mas quase
tudo o que se vê de antigo em Würzburg, inclusive o Residenz, é reconstrução do
que sobrou da Segunda Guerra. Para ver quão bom ficou o trabalho, suba o morro
ao lado do forte e visite a Käppele, pérola rococó de Neumann com rica
decoração e uma vista poética do casario cingido pelo Main.
ROTHENBURG
OB DER TAUBER
Cidade
de a(r)mar
Próxima parada: Rothenburg ob der
Tauber, eleita pelos passageiros do “coach” a cidade mais simpática, misteriosa
e, sim, romântica da Rota Romântica. Uma verdadeira joia. Houve um pequeno
prólogo, uma parada de meia hora na minúscula Weikersheim, onde as grandes
atrações são seu castelo e o jardim à Versailles que o cerca. Então,
atravessamos as muralhas de Rothenburg sob a sensação de adentrar um set de
filmagens. Erguida há mais de mil anos, a cidadela preserva o clima medieval em
suas torres, nos canteiros floridos e nas imponentes fontes, outrora essenciais
para proteger a vila dos incêndios.
Sabe aquelas pecinhas de madeira
com as quais você brincava para criar vilarejos? Pois Rothenburg é uma
cidadezinha de armar. Embaixo da torre do relógio há um portão arcado – parece
que estamos juntando a peça da ponte vazada com a do tijolinho com relógio.
Dois museus chamam atenção: o do Crime, que expõe objetos utilizados para
castigar infatores no passado, e do Natal, com os primeiros cartões e enfeites
natalinos, alguns do século 15. Mas é a loja do museu, recheada com tudo o que
se imagina para decorar a casa, que causa furor. “Parece um sonho”, exultava a
turista brasileira Maria Julia Fonseca.
No Museu do
Natal, Papai Noel dá expediente 365 dias por ano - Foto: Imagebroker RM
Se um
alemão em Rothenburg mandar você para o inferno (“Fahr
zur Hölle!”), não tome como xingamento. O Zur Höll é uma taverna
tradicional com boas pedidas de slow food (salsichas, costelinha, kebab) para
acompanhar os vinhos locais. Na cidade, não deixe de saborear ainda o Schneeballe,
bolota de massa fita coberta com chocolate, nozes ou açúcar.
AUGSBURG
A FÜSSEN
Reino
da fantasia
Seguindo viagem, dei uma rápida
parada em Dinkelsbühl e Nördlingen, duas cidadezinhas adoráveis. Se você quiser
fazer um único trecho de bike em toda a Rota, escolha os 30 quilômetros que as
separam, mais planos. Augsburg, fundada em 15 a.C. em tributo a Augusto, o
primeiro imperador romano, é a maior cidade do percurso e deu à luz figuras
como o violinista e compositor Leopold Mozart, pai do Mozart mais famoso, e o
escritor Bertolt Brecht, cuja casa virou museu. Repleta de imigrantes
italianos, Augsburg estimula os visitantes a deixar as batatas e as salsichas
de lado e se deliciar com uma autêntica pasta.
No trecho final da Rota, os Alpes
surgem no horizonte e o cenário se transforma. Antes de chegar a Schwangau, o
ônibus para na minúscula Steingaden, colocada no mapa graças à Igreja de
Wieskirche, outra gema do rococó alemão. Havia tempos eu não entrava em tantas
igrejas, não rezava nem agradecia tanto, deslumbrado com a paisagem.
Minha última noite na Rota
Romântica foi em um hotel próximo aos castelos de Hohenschwangau e
Neuschwanstein, cartões-postais por excelência do itinerário. Naquela noite
estrelada, fiquei horas apreciando o Hohenschwangau, todo iluminado. A meu
lado, outros turistas não escondiam o encanto. “Mas que triste fazer essa
viagem sozinho!”, lembrou-me uma japonesa acocorada nos braços do marido.
Hipnotizado pelo cenário, eu havia me esquecido desse detalhe...
No dia seguinte, fui direto
buscar os meus ingressos para os castelos, já reservados pela internet. As
entradas têm hora marcada; por isso, é bom ficar atento: da bilheteria até o
Hohenschwangau são 20 minutos de caminhada ladeira acima. Para o
Neuschwanstein, o tempo dobra, mas pelo menos ali dá para ir de charrete ou,
ainda melhor, de ônibus, que deixa você na Ponte Marienbrüke, onde há uma vista
espetacular para a construção. Última extravagância do rei Ludwig 2º, o
Neuschwanstein é conhecido como “Castelo da Cinderela” por ter inspirado o da
Disney, erguido em 1955 na Califórnia.
Ludwig morreu antes de ver o
Neuschwanstein pronto. Considerado louco, foi destronado em 1886 e, no mesmo
ano, encontrado morto. Também produtos de sua excentricidade, o Castelo de
Linderhof e o Palácio de Herrenchiemsee, ambos a leste da Rota Romântica,
teriam levado o reino à falência. Ironicamente, o espólio do rei é hoje a
principal fonte de renda da Baviera. Outro devaneio de Ludwig, o Castelo de
Neuschwanstein parece um transatlântico ancorado nos Alpes, mas é dentro que se
tem a noção de sua preciosidade. Mármore, porcelanas, pedrarias, ouro e
pinturas baseadas nas óperas de Wagner decoram as salas.
Fiquei emocionado com tamanha
beleza. O rei era louco, mas não bobo. Em estado de leveza, desci a pé, peguei
minha mala no hotel e, antes de embarcar para Füssen, parei em uma cafeteria
cheia de turistas no centro histórico. A cena me fez perceber que a guerra pode
ter devastado a Baviera, mas não fez um arranhão no legado de seus monarcas
sonhadores.