terça-feira, agosto 22, 2017

O GRANDE BAGRE EM APUROS
Ameaçado por pesca predatória e hidrelétricas na Amazônia, o peixe que empreende a mais longa migração do mundo pode desaparecer
POR GUSTAVO FALEIROS

10 DE AGOSTO DE 2017 12:29
O ano de 2007 tinha tudo para trazer a redenção ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os abalos do Mensalão haviam arranhado sua reputação, mas não tiveram força para apeá-lo do poder: Lula fora reeleito no ano anterior, no empuxo de um PIB com crescimento de 4%, às vésperas de um cenário que já soprava os ventos da crise que se abateria sobre o mundo. Em fins de janeiro, Lula anunciou o Plano de Aceleração do Crescimento, com promessa de investir meio trilhão de reais em infraestrutura, a ponta de lança do novo mandato.
Mas – e o presidente não podia imaginar – haveria um peixe em seu caminho. Em março, um parecer elaborado por técnicos do Ibama sugeria o veto à construção de duas hidrelétricas no rio Madeira, obras-chave para a visão de Brasil grande que rondava os círculos petistas. As usinas Santo Antônio e Jirau, insistia o Ibama, seriam fatais para a dourada, um grande bagre que habita quase toda a bacia Amazônica e protagoniza a maior migração do mundo: de 8 mil a 11 mil quilômetros durante toda a vida. As barreiras de concreto projetadas para as usinas impediriam o peixe de seguir seu curso. Incomodado com o relatório do órgão ambiental, Lula contra-atacou numa reunião com seu conselho político: “Agora jogaram o bagre no colo do presidente.”
Passados dez anos – usinas construídas e propinas denunciadas pela Lava Jato –, o peixe segue sendo fonte de preocupação. Além das hidrelétricas nos afluentes do Amazonas, também a sobrepesca – pela quase total ausência de fiscalização –, está fazendo com que a Brachyplatystoma rousseauxii se torne artigo raro onde antes abundava.
Pesquisadores que investigam a situação da dourada falam em um iminente colapso do estoque do peixe, e propõem uma ação radical – a proibição temporária de pesca e o veto total à construção de usinas na Amazônia andina, onde os países vizinhos planejam novas obras. Atualmente, não existe qualquer controle para a captura da dourada, e os planos hidrelétricos avançam.
O grande bagre migrador da Amazônia é um recordista. Enquanto jovem, ele nada dos Andes à foz do Amazonas. Depois, retorna na maturidade para reproduzir e desovar nas cabeceiras do grande rio. Sua viagem é maior que a do salmão, peixe que acreditava-se empreender a maior jornada da natureza.
Neste trajeto, a espécie sustenta milhares de pescadores do Brasil, da Bolívia, da Colômbia e do Peru. Sua captura está relacionada a um mercado milionário de exportação de peixes sem escamas, ou peixes-lisos, como dizem os amazônidas.
O rio Madeira, formado por dois grandes afluentes – o Mamoré, que faz fronteira com a Bolívia, e o Madre de Dios, que vem do Peru –, é uma das principais rotas de subida da dourada e outros grandes bagres migradores em direção aos locais de desova. Hoje, os pesquisadores que acompanham os impactos da construção de Santo Antônio e Jirau, as duas usinas brasileiras, sabem que as douradas adultas não estão conseguindo transpor as barragens.
Rosseval Leite, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), fez experimentos que comprovam que os jovens conseguem passar pelas turbinas. Mas os adultos, não. “O panorama no rio Madeira é sombrio. Se não encontrarem um forma para a subida dos adultos, em poucos anos, naquele rio em que se construiu a hidrelétrica, há a possibilidade de os bagres não chegarem nas cabeceiras”, disse em seu escritório em Manaus, em meio a quadros e livros sobre as principais espécies de peixe da Amazônia. “Se isso de fato ocorrer, não haverá a reposição da população.”
Durante uma viagem de sessenta dias, do Peru ao Brasil, passando por portos pesqueiros, mercados, feiras de rua e frigoríficos, ouvi reclamações de que o tamanho e a quantidade das douradas (ou zungaro dorado para os peruanos) já não são os mesmos de anos atrás.
Em Tabatinga, Augusto da Costa Araújo, filho de pai colombiano e mãe brasileira, falou sobre os bagres. Ele está no comércio de peixe liso há vinte anos, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia – compra o peixe no lado peruano para comercializar nas bodegas colombianas, como são chamados os frigoríficos de peixe na cidade de Leticia.
Na alta temporada, quando começam as migrações da dourada e outros bagres, ele transporta entre cinco a sete toneladas de peixe para a Colômbia. No dia em que o encontrei, ele estava supervisionando a chegada de uma carga em um barco peruano.
Embaixo de uma tremenda chuva, Araújo acompanhava a retirada de uma tonelada de bagres de um grande caixote de madeira lotado de gelo. A maior parte da carga era de piraíbas, um bagre gigante que pode chegar a 3,6 metros de comprimento. Mas havia também pelo menos 80 quilos de douradas que não passavam de um metro, algo incomum anos atrás, quando as capturas se aproximavam de seu tamanho médio, 1,5 metros.
“Antigamente tinha muito mais peixe. O governo colombiano está até fazendo campanha para que não se compre peixe pequeno, mas o trabalho nesta Amazônia é difícil”, disse ele enquanto apontava para os bagres. “Se o pescador pega peixinho, ele vende. Se não é na bodega, é no mercado”, pontuou, com um sotaque misturado de português com espanhol.
Na parte brasileira não é diferente. Quase todo bagre pescado no rio Solimões é vendido diretamente para os frigoríficos que, depois, os enviam à Colômbia. Todos os municípios na calha do rio têm uma economia altamente conectada com a forte indústria de Leticia. José Maria Miller Nascimento, é um empresário conhecido de Santo Antônio do Içá, cidade brasileira que está a 200 quilômetros da fronteira. Agitado, sempre distribuindo ordens aos empregados, ele foi um pioneiro na instalação de um frigorífico nesta parte do Solimões.
Durante o período da piracema, Nascimento chega a comprar trinta toneladas de bagres dos pescadores locais. Armazena tudo nas câmaras frias de seu comércio flutuante, que tem capacidade para até setenta toneladas. Em uma visita ao seu frigorífico, ele me contou que, agora, a compra está concentrada em outros tipos de bagre. “A dourada já foi um bom negócio há dez anos. Hoje o que está dando muito é surubim, o pintado.”

Opescador Izaías Freitas dos Santos preside uma associação com 800 pescadores em Santo Antônio do Içá. Ele fala de um tempo em que a pescaria ainda valia a pena. “Tinha um momento que tinha muito peixe mesmo, hoje só ficou a lembrança.” Em uma manhã de julho, saímos para pescar acompanhados de seu sogro, Raimundo Souza dos Reis, um homem de 54 anos que passou a vida nas águas amazônicas. Fomos conferir as poitas (linhas com vários anzóis armados) e as malhadeiras (redes de pesca) deixadas por eles em áreas alagadas e próximas às margens dos paranás, os rios que correm nas laterais dos de maior porte, neste caso, o Solimões.
Eles não partem mais em busca da dourada. A esperança era achar pirarucu, talvez um surubim ou caparari. Mas a pescaria não foi bem-sucedida e só encontramos uma pirapitinga, um tipo de peixe mais comum e menos valorizado. Reis conta saudoso do tempo em que as douradas se prendiam na poita. Os inimigos da dupla de pescadores artesanais são muito mais presentes do que as grandes usinas hidrelétricas – hoje, com os barcos que realizam a pesca de arrasto, puxando redes no fundo do rio como se fossem enormes vassouras, é quase impossível que um pequeno pescador como eles, em uma canoa, consiga ver um grande bagre. “Não sobra nada”, disse Reis. “O arrasto leva tudo.”
Quase um mês depois da desolada pescaria com Izaías e Raimundo em Santo Antônio do Içá, em uma conversa no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, as razões pela escassez de peixes ficaram claras. “A dourada é pressionada na Amazônia inteira. E o pior problema é no estuário, onde se concentra essa pesca industrial”, afirmou Ronaldo Barthem, biólogo marinho e pesquisador que há pelo menos vinte 20 anos é uma das principais referências em grandes bagres da Amazônia. Ele começou a investigar a pesca amazônica em 1978, quando mudou-se do Rio de Janeiro para Manaus para trabalhar no Inpa. Depois, quando transferiu-se para Belém, nos anos 80, passou a pesquisar especificamente a captura dos bagres no estuário.
Desde a década de 90, Barthem e seus colegas já alertavam para a necessidade de regular a pesca de arrasto, onde dois barcos navegam em paralelo puxando redes de até 50 metros de largura por 40 de altura. “Eles realmente limpam o fundo e pegam bastante peixe jovem.”
Desta forma, ele explicou, os peixes estão sendo impedidos de crescer. O resultado é que cada vez menos adultos são encontrados no Alto Amazonas. Ali, estariam com tamanho entre 90 e 110 centímetros, e prontos para subir em direção às cabeceiras para reproduzir. Junta-se isso ao impacto das hidrelétricas e pode-se dizer que o futuro da pesca da dourada não parece promissor.
O velho problema juntou-se a um novo: Barthem acompanha diretamente os estudos sobre o impacto das usinas do rio Madeira. “Estamos lá juntando os dados e vendo o que acontece. Ainda tenho esperança que a dourada vai passar pelas usinas. Mas, até agora, nenhum peixe conseguiu.” Por isso novas usinas são o principal temor do pesquisador, principalmente as planejadas na Amazônia andina.
Os impactos das atividades no estuário do Amazonas são sentidos a vários quilômetros de distância. Em Nauta, onde os rios Marañón e Ucayali se unem para formar o rio Amazonas do lado peruano, a 400 quilômetros da fronteira com o Brasil, José Paredes, de 74 anos, trabalha há cinquenta como vendedor de filés de bagre no mercado municipal. “Em 1969 havia douradas para dar e vender. Isso durou até 1984, e aí começou a diminuir com o arrasto. Agora vem um, dois ao mês. Às vezes, nada”, afirmou.
O casal Meneleo Hualinga e Rosa Altilla desperta todo dia de madrugada desde os tempos em que juntos atuavam na pescaria. Por trinta e cinco anos ele pescou e ela limpou os bagres do Marañón. Há oito, trabalham no mercado de Nauta como vendedores. Trocar o rio pela terra firme virou melhor negócio. “O preço segue se elevando cada dia mais e mais. Se você trouxesse um como esse (aponta para um peixe de 40 centímetros), ninguém queria comprar porque era pequeno, porque havia alguns grandes. Mas agora até os recém-nascidos eles trazem”, disse o antigo pescador.
A opinião dos pescadores e comerciantes locais não destoa dos dados apresentados nos últimos anos em artigos científicos na Colômbia e no Peru. O desembarque de bagres foi reduzido em Iquitos e Leticia, dois dos principais portos pesqueiros do Alto Amazonas. No Brasil, no entanto, não existem dados sobre a atividade, nem mesmo no estuário onde a pesca é intensa.
Os dados de desembarque mais recentes foram publicados em 2012 na revista Folia Amazónica, por um grupo de cientistas colombianos liderados pela pesquisadora Aurea García, do Instituto de Investigaciones de la Amazonía Peruana (IIAP). Entre 2008 a 2012, a dourada representou apenas 0,04% de todos os peixes que chegavam aos portos pesqueiros de Iquitos, uma cidade de 437 mil habitantes no coração da selva.
“As espécies pequenas de bagre já estão substituindo as espécies grandes, como a dourada e a piraíba, ou mesmo o surubim e o caparari”, explicou García, em entrevista em uma das unidades do IIAP em Iquitos.
Segundo ela, a piracatinga (ou mota, em espanhol) se tornou a mais conhecida entre as pequenas que passaram a ocupar o mercado. Mas outras, que não eram sequer consumidas, já aparecem nos registros pesqueiros. Viraram mercadoria pela escassez dos grandes bagres.

Leticia é o epicentro da indústria de compra, processamento e exportação de grandes bagres. A forte demanda, iniciada no fim dos anos 60, criou uma zona de pesca de 2 000 de rio quilômetros que se estende de Iquitos até, pelo menos, Tefé, no Amazonas.
Barcos pesqueiros, frigoríficos e pescadores artesanais se dedicam à captura do peixe-liso para vender em Leticia, onde toneladas são preparadas para o envio à capital Bogotá e a outros países. A vantagem de Leticia é estar conectada diretamente, via aérea, com a maior cidade da Colômbia, região onde vive a parcela mais rica da população do país.
Os bagres da bacia do Magdalena, rio no norte do país e constante cenário das novelas do escritor Gabriel García Márquez, eram muito apreciados pelos colombianos. Mas depois de explorados à exaustão, praticamente sumiram, deixaram um mercado aberto para os seus primos amazônicos de maior porte.
O primeiro pescado a sair da Amazônia para Bogotá, ainda nos anos 60, foi o pirarucu, que, salgado, era consumido durante a Semana Santa. Depois do pirarucu vieram então os do gênero Brachyplatystoma, gênero dos bagres colossais, como a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), e a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), cujo recorde de tamanho registrado é de 1,92 metro.
Inicialmente, a carne destes peixes foi preservada em mantas salgadas, mas a partir, dos anos 80, vários frigoríficos se instalaram na região permitindo a exportação de peixe congelado.
Curiosamente, a cadeia produtiva dos bagres também cresceu devido às peculiaridades da cultura do ribeirinho do Alto Amazonas e do Solimões. Por ali, nunca se come a carne do peixe-liso, prefere-se o peixe de escamas, como o jaraqui, o tambaqui ou a pirapitinga.
Alguns relacionam esta preferência ao gosto da carne dos bagres, forte, ou remosa, como se diz na Amazônia. Causaria até doenças, acreditava a população local. Mas há quem enxergue nessa preferência apenas uma razão socioeconômica. Como o bagre rende deliciosos filés sem espinhas, passou a ser aproveitado pelos ricos, pelos consumidores das cidades, tornando ao ribeirinho vantajosa a venda, e não o consumo próprio.
O colombiano Edwin Agudelo é um dos principais pesquisadores do comportamento migratório da dourada e também sobre os altos e baixos da indústria pesqueira da Amazônia. Coordenador do Instituto Amazónico de Investigaciones Cientificas em Leticia, ele defende medidas mais duras para conter a diminuição da dourada. “Em termos da biologia destes peixes, nós os estamos levando ao colapso”, disse, em tom grave.
Segundo Agudelo, o auge da pesca da dourada ocorreu ainda nos anos 90. Em 1998, como mostram dados de desembarque em Leticia, 12 mil toneladas dos peixes-lisos foram comercializados no porto, sendo que 40% do gênero era justamente de Brachyplatystoma.
A partir deste momento, a captura de bagres foi caindo. Em 2005, já havia se reduzido a 7,5 mil toneladas. Alguns anos depois, em 2010, quando os últimos dados foram coletados, a produção foi de 6,8 mil toneladas – quase a metade em pouco mais de uma década.
Agudelo prevê que em 2030 a indústria de Leticia estará reduzida a um quarto de seu apogeu dos anos 90. Em uma simulação de rendimento pesqueiro realizada para a área por meio do software Ecopath, ele e parceiros de pesquisa chegaram a um futuro de apenas 3,5 mil toneladas anuais, já sem a presença da dourada.
Para evitar este cenário, ele propõe um primeiro ensaio de defeso, ou seja, de restrições à pesca, algo que jamais existiu. Isso ocorreria de acordo com o pulso de inundação do rio Amazonas, pois é no momento da mudança no nível da água que a dourada começa a migrar rio acima.
Assim, durante a movimentação dos cardumes juvenis na parte brasileira, haveria cotas de captura para garantir que os peixes possam seguir crescendo e cheguem ao Peru e à Colômbia, onde atingem a maturidade e se reproduzem.
“Se isso não funcionar, o que deveríamos fazer no caso da dourada e da piraíba é acabar com a pesca, proibir. Mas para fazer isso teríamos que levantar, num prazo curto, o impacto econômico desta medida, pois não existem dados sobre quem depende desses peixes”, ressaltou o pesquisador colombiano.

No início dos anos 2000, o Brasil regulou a pesca de piramutaba, um tipo de peixe cujos cardumes estavam sendo exauridos pela pesca industrial. A medida teve um impacto bastante positivo que foi além das fronteiras. A quantidade de desembarques da espécie voltou a subir nos portos de Iquitos entre 2008 e 2012, segundo a pesquisa do IIAP.
Mas a questão da dourada é mais delicada. É preciso que os governos dos três países trabalhem juntos na gestão dos recursos pesqueiros, já que a espécie é pescada em todo o rio. “É um tema de soberania, seria preciso envolver as chancelarias”, disse Agudelo.
O primeiro encontro internacional sobre os bagres migratórios aconteceu ainda em 1995, com apoio da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Mas o tema parece ter interessado somente aos pesquisadores e técnicos. Nada foi feito até agora, 22 anos depois do encontro.
Michael Goulding, colega de trabalho de Barthem no Museu Paraense Emílio Goeldi, publicou junto ao brasileiro, em 1997, o livro Os Bagres Balizadores, que foi a primeira obra a lançar a hipótese de que algumas espécies de peixes-gato da Amazônia realizavam migrações de longa distância, em especial duas do gênero Brachyplatystoma, a dourada e a piramutaba.
Junto aos estudos do ciclo de vida, a publicação foi ousada em propor uma visão integrada no gerenciamento da bacia Amazônica levando em conta a migração dos peixes. Tanto que em inglês, o livro editado pela Universidade Columbia, ganhou o sugestivo título de The Catfish Connection, indicando que os bagres eram “viajantes sem fronteira”, o que deveria ser levado em conta em projetos de infraestrutura, em especial as hidrelétricas.
Barthem conta que recebeu muitas críticas – colegas disseram que os então jovens pesquisadores não tinham uma visão global sobre o problema. “Muita gente achou que a hipótese não era válida pois havia meia dúzia de dados. Mas os dados eram muito claros, eram gritantes”, conta. As evidências tinham sido coletadas em diversas viagens de barco de pesca que saíam do estuário, acompanhando a migração. “Eu comecei no estuário e fui parar no Peru.”
Anos de pesquisa sobre os grandes migradores permitiram que Barthem, Goulding e colegas do Inpa, em especial Rosseval Leite, publicassem um artigo seminal em fevereiro deste ano na revista Nature. Foi nele que os pesquisadores cravaram a teoria de que a dourada é o maior peixe migrador do planeta, tomando o posto do salmão.
O estudo se baseia em observações feitas desde os anos 80 sobre a disponibilidade e o estágio de maturação da dourada e outros 3 grandes bagres em diversos pontos da bacia Amazônica. Exemplares maduros foram encontrados nas proximidades de Machu Picchu, no rio Urubamba, a 5 788 quilômetros da foz do Amazonas.
Ao mesmo tempo, foram feitas medições das larvas da dourada conforme elas iam descendo o rio. Assim, viram que o indivíduo pequenino, com menos de 10 centímetros, só existe no estuário. Por outro lado, nesta mesma área, nunca se encontram douradas com as gônadas cheias de ovos. Essas só mesmo nas cabeceiras. Isso evidenciava a importância da migração que a pesca de arrasto e as hidrelétricas estão impedindo.
A esperança, agora, é manter as áreas rio acima preservadas, já que ao menos os peixes que chegaram nas cabeceiras antes da construção das grandes obras continuam se reproduzindo. Para Barthem, o que vai garantir a sobrevivência da dourada é unir manejo da pesca com a conservação de seus habitats. “Eu acho que em termos de extinção de espécie, estamos longe, ainda dá tempo de reverter. Mas em termos de mercado, do jeito que vai, nós estamos comprometendo o nosso bolso.”

sexta-feira, julho 14, 2017

O Programa Córrego Limpo está de volta
Córrego despoluído após o programa Córrego Limpo, da Sabesp
DE SÃO PAULO. 05/06/2017  17h58
Iniciativa já beneficiou 2,2 milhões de pessoas e despoluiu 149 córregos na capital paulista
Desde que o córrego Cruzeiro do Sul, em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, foi despoluído, houve melhora na qualidade de vida dos moradores da região. Hoje eles frequentam um parque linear construído à beira do córrego, uma realidade bastante diferente da que eles estavam acostumados antes do Programa Córrego Limpo.
Hoje, os moradores se exercitam, fazem uma pausa em suas rotinas para descansar e assistem suas crianças brincarem em frente a um rio despoluído, em uma área de lazer com muito verde. "Você vê que foi feito um trabalho de revitalização da área. O povo tem mantido limpinho, a população está colaborando. Esse parque linear foi uma benção para a nossa região", comemora Elecy, que enxerga a despoluição do córrego Cruzeiro do Sul como um avanço para a comunidade, oferecendo cidadania para o povo.
O Cruzeiro do Sul é um dos 149 córregos da capital paulista que foram despoluídos pelo programa Córrego Limpo, uma parceria entre a Sabesp, o Governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo. O projeto recebeu da Sabesp investimentos de R$ 240 milhões, mostrando-se firme no propósito de zelar pela qualidade da água desses rios, que influem na vida das pessoas e beneficiam toda a Região Metropolitana de São Paulo.
Imagem de antes e depois da recuperação do Córrego Cruzeiro do Sul, em São Miguel Paulista
Desde seu início, em 2007, o programa Córrego Limpo retirou 1.500 litros de esgoto por segundo dos córregos. Este resultado responde diretamente ao objetivo do projeto, de melhorar a qualidade de água dos mananciais, rios e córregos, por meio de adequações no sistema de esgotamento sanitário do entorno dos córregos, trabalhos de manutenção e educação ambiental.
O Córrego Limpo retorna agora com força total e uma grande novidade, a cláusula de obrigatoriedade de adesão ao Programa: Sabesp e Prefeitura assumem um compromisso e lutam pelo objetivo comum de manter ao longo do tempo suas respectivas tarefas, garantindo assim a continuidade do projeto. Esta parceria traz resultados positivos para a população, que será beneficiada com melhorias à qualidade de vida por meio da despoluição dos rios da capital. A cada córrego despoluído, damos mais um passo na despoluição do Tietê.
Dentro do Programa Córrego Limpo, a Sabesp realiza monitoramento dos córregos, executa obras de prolongamento de redes, coletores e ligações de esgoto. A companhia realiza ainda a manutenção e adequação das redes existentes.
Já a Prefeitura de São Paulo é responsável pela limpeza dos córregos, a contenção e manutenção das margens e dos entornos, além da verificação de eventuais interferências na rede de microdrenagem (bocas-de-lobo e galerias). Também age na fiscalização das ligações de esgotos, notificações e multas aos imóveis que não estiverem corretamente ligados à rede coletora e, principalmente, na remoção e reassentamento de pessoas que residem nas faixas dos fundos de vale requeridas à passagem das tubulações de esgotos.
A participação da população é de extrema importância, evitando o lançamento de lixo e entulho, denunciando irregularidades e não fazendo ligações clandestinas.
Resultado que se vê: córregos já recuperados
Antes e depois da recuperação do Córrego Caxingui, na zona oeste de São Paulo pelo programa Córrego Limpo, da Sabesp
Entre os córregos já recuperados está o Mandaqui, na zona norte. As ações foram amplas e ousadas. De início, a Sabesp promoveu a varredura em 440 km de redes coletoras de esgoto para identificar as necessidades de reparo e promover as respectivas melhorias.
A partir desse mapeamento e com um investimento que chegou a expressivos R$ 18 milhões, a Sabesp instalou 10 km de tubulações para coleta de esgoto, inaugurou 455 novas ligações domiciliares e promoveu a limpeza em mais de 40 km de cursos d'água - 7,5 km do próprio Mandaqui e mais 33 km de seus afluentes.
Já no córrego Cruzeiro do Sul, em São Miguel Paulista, zona leste da cidade, vários pontos dos 18 km de toda a rede coletora receberam algum tipo de melhoria. Para a despoluição do córrego, foram instalados não só 3,5 km de rede para coleta de esgoto, como também foram executadas 596 ligações. O investimento realizado pela Sabesp foi de R$ 3,5 milhões. Com isso, mais de 2 km de cursos d'água chegam limpos ao rio Tietê, beneficiando os 35 mil moradores de seu entorno.
Florestas protegem a água que abastece a Grande São Paulo
                                                                  DE SÃO PAULO   14/06/2017, 16h39
Mais de 33 mil hectares conservam a água dos Sistemas Cantareira, Alto Cotia e Rio Claro
Proteger a vegetação nativa em torno dos mananciais é fundamental para garantir a segurança hídrica. Pensando na qualidade da água desde a sua fonte, a Sabesp cuida e monitora mais de 33 mil hectares em áreas protegidas na Região Metropolitana de São Paulo. Para garantir a melhoria dos sistemas de produção de água em qualidade e quantidade, a Companhia mantém inciativas de conservação ambiental e reflorestamento das matas, nos entornos das represas, rios e nascentes.
São áreas importantes para a proteção dos mananciais, a Reserva Florestal do Morro Grande, no Sistema Alto Cotia, áreas do Sistema Rio Claro, no Parque Estadual da Serra do Mar e a Área de Proteção Ambiental Capivari. A Companhia também colabora com a preservação e conservação do Parque Estadual da Serra da Cantareira e do entorno das represas Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro, todas incluídas na Área de Proteção Ambiental do Cantareira.
Um Milhão de Árvores no Cantareira
Em uma iniciativa motivada pela crescente preocupação ambiental, a Sabesp firmou uma parceria com as organizações The Nature Conservancy (TNC) e Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), e com a empresa pública paulista Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa). Juntas, essas quatro instituições ultrapassaram a meta inicial do projeto Um Milhão de Árvores no Cantareira alcançando a marca de 1 milhão e quatrocentas mil árvores entre 2007 e 2010.

O projeto tem como principal objetivo reflorestar áreas no entorno das represas que compõe o Sistema Cantareira, preservando a qualidade e quantidade das águas desse manancial. Isso ajuda a proteger na totalidade a bacia hidrográfica de onde a Sabesp capta água para abastecer 60% da Grande São Paulo.
Foram plantadas 80 espécies de árvores, todas nativas da Mata Atlântica. Parte das mudas plantadas foram cultivadas nos viveiros Jaguari e Alto Cotia, ambos da Sabesp.
Nascentes
A mata ciliar, que é a formação de vegetação nas margens dos rios, córregos, lagos, represas e nascentes, desempenha uma função ambiental muito importante para manutenção da qualidade da água, estabilidade dos solos, regularização dos ciclos da água e conservação das espécies. Ela funciona como os cílios dos nossos olhos, que evitam entrar sujeita em uma parte delicada e importante do nosso corpo.

Sem esse abraço verde em torno das águas, terra, lixo e sujeiras de todo o tipo vão para dentro dos mananciais, trazendo prejuízos ecológicos e dificultando o tratamento de água para o abastecimento. Para ampliar a cobertura de mata ciliar em todo o estado, o Governo de São Paulo criou o Programa Nascentes, do qual a Sabesp faz parte.
Pensando no seu compromisso com o meio ambiente, a Sabesp tem um programa corporativo de plantio e manutenção de 1 milhão de mudas nos próximos anos.
Atualmente, já foram plantadas 213 mil mudas de espécies nativas em áreas do Sistema Cantareira e, até março de 2018, serão plantadas aproximadamente 500 mil mudas. Durante os próximos anos a Sabesp plantará mais 330 mil mudas, alcançando mais de 1 milhão. A empresa realiza a manutenção e monitoramento para garantir o sucesso da restauração. Além do Sistema Cantareira, a Companhia prevê plantio no Mirante do Paranapanema, no interior do Estado e no entorno do Rio Paraíba do Sul, que banha os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Adicionalmente, a Companhia também participa do Programa Nascentes através de plantio em áreas do reservatório Taiaçubeba, sendo que das 263 mil mudas previstas já foram plantadas 190 mil.
Além de todos os benefícios para manter a qualidade e a quantidade da água necessária para a população, a recuperação das matas ciliares também colabora com a redução de erosão do solo, enchentes e protege a biodiversidade.
Esse programa atenderá aos Termos de Compromisso de Recuperação Ambiental (TCRAs) atuais e futuros, decorrentes do licenciamento ambiental, estando inserido no contexto do Programa Nascentes.

quarta-feira, maio 10, 2017

Atlas das caatingas mostra problemas em áreas de proteção ambiental.

                                       Parque Nacional do Catimbau, no Estado Pernambuco.
Ocupação irregular de terras, desmatamento, falta de estrutura e de demarcação foram alguns dos problemas encontrados, em três anos de pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), em 14 unidades de Conservação federais de proteção integral, localizadas no bioma caatinga brasileira. O Atlas das caatingas reúne em detalhes informações fundiárias e da flora de cada uma das áreas estudadas, e virou também documentário, pré-lançado nesta terça-feria (9), no Recife.
Um dos biomas brasileiros menos estudados no país, a caatinga se estende por dez estados e compreende 10% do território nacional, com 844 mil km². É o único bioma encontrado exclusivamente no Brasil e é lembrado geralmente pelo visual na época de seca, quando as árvores perdem as folhas e a mata se torna cinzenta e quebradiça. A pesquisa mapeou cerca de 1% desse território.
Desenvolvido em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o estudo foi feito entre dezembro de 2013 e dezembro de 2016. Os pesquisadores percorreram mais de 22 mil quilômetros nas 14 unidades de conservação, todas geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nelas, não é permitida qualquer atividade econômica ou mesmo o uso sustentável, exceto o turismo e a pesquisa científica.
Para montar o diagnóstico foram entrevistados todos os chefes das unidades de conservação, além de funcionários do ICMBio, moradores da região, professores que desenvolvem estudos nesses locais, entre outros. Segundo Neison Freire, pesquisador titular da Fundaj que coordenou a pesquisa, cada unidade tem problemas específicos, mas a falta de recursos humanos e financeiros é uma constante e acaba agravando as dificuldades locais.
Ele cita desde a falta de combustível para veículos de fiscalização até a indisponibilidade dos próprios carros e da falta de dinheiro para consertar uma bomba d'água, impedindo que um espaço disponível para receber alunos e professores de escolas públicas seja utilizado. "Todas têm problemas de gestão, que não é local. O problema está em nível federal, na pouca atenção dada a esse bioma, o único exclusivamente brasileiro", afirma.
A sociedade também contribui para ameaçar esses espaços protegidos. Como as unidades de conservação pesquisadas não podem ter atividade econômica, as populações que ainda residiam ou tinham alguma atividade na área, quando elas foram criadas, deveriam ser indenizadas e remanejadas. Além de comunidades de povos tradicionais, como indígenas e quilombolas, resistirem à mudança fazendeiros –incluindo pequenos proprietários– permanecem nos locais proibidos. "Alguns foram indenizados e não querem sair e outros estão especulando para ter maior valorização da terra para se retirar, o que gera muitos problemas para a gestão e fiscalização das unidades", informa Freire.
CATIMBAU E CHAPADA DIAMANTINA
O maior problema das unidades, segundo o pesquisador, está em Pernambuco, no Parque Nacional do Catimbau. Ele não tem nem mesmo um escritório do ICMBio, e a sua demarcação nunca foi feita. Além disso, há conflitos fundiários, corte de madeira e atividade econômica dentro da área. Outra unidade onde foram encontrados problemas é um dos cartões postais brasileiros: o Parque Nacional da Chapada Diamantina.
"Temos, de um lado, o agronegócio, que usa muitos fertilizantes, que vão contaminar rios e corpos d'água, e, do outro lado, uma especulação imobiliária muito forte. Em Lençóis já começam a surgir favelas. Fora uma fragmentação das áreas para a construção de pousadas, um negócio que não é feito pela comunidade local, mas por empresários da parte Sul do país".
Apesar das questões negativas, os pesquisadores também citaram "efeitos não esperados" nas expedições, como a influência do Bolsa Família na recuperação da fauna do Vale do Catimbau. É que, de acordo com o pesquisador da Fundaj, a comunidade do entorno costumava caçar as aves nativas para complementar a alimentação. Com o recurso federal, houve a redução da caça. "Outro aspecto no Vale do Catimbau são as espécies introduzidas, como a aroeira. Elas têm alto poder de fogo, lenha, então as populações passaram a cortar essa espécie, em vez de espécies endêmicas, próprias da caatinga, permitindo que essa vegetação se recuperasse".
MAIS RECURSOS E DEMARCAÇÃO DE TERRAS
O Atlas das Caatingas inclui recomendações para uma proteção efetiva às áreas estudadas. Entre as propostas estão a abertura de concurso público e mais recursos financeiros, conforme explicou Neison Freire. Além disso, há indicações específicas voltadas a cada problema encontrado nas unidades. "[É preciso fazer a] demarcação das áreas de forma urgente, a regularização fundiária para que 100% fiquem em posse da União. Mapeamentos sistemáticos com o uso de drones, torres de observação, contratação de brigadistas, principalmente no período seco para combater incêndios", diz.
O analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente, João Seyffarth, esteve presente no pré-lançamento do filme. Atuante no combate à desertificação, problema ambiental encontrado na caatinga com alto grau de degradação, Seyffarth diz que os recursos arrecadados com a visitação das áreas protegidas podem ser usados para melhorar a gestão. "A gente sabe que as unidades de conservação brasileiras geram muitos recursos, mas, em geral, eles vão para o Tesouro Nacional. É preciso encontrar uma maneira para que os recursos gerados sejam usados na gestão das unidades", afirma.
OUTRO LADO
Em nota, o ICMBio diz que ainda não teve conhecimento da pesquisa de modo oficial, portanto não seria possível responder aos questionamentos em detalhe. "No geral, o instituto tem se esforçado para dotar as unidades de conservação federais da caatinga de todos os instrumentos de gestão, como planos de manejo, conselhos gestores e estrutura para abrigar servidores e pesquisadores e receber visitantes".
Entre as ações, o órgão cita as fiscalizações para coibir crimes ambientais, ações de educação ambiental para orientar comunidades locais e um "esforço no sentido de regularizar a situação fundiária". Sobre a realização de concurso público para reforçar o número de funcionários das unidades pesquisadas, o ICMBio respondeu que não há previsão.
FILME E PESQUISA NA INTERNET
A pesquisa completa está disponível no site da Fundaj, junto com imagens e mapas produzidos ao longo dos três anos de trabalho. O documentário, com uma hora de duração e feito com imagens amadoras captadas pela própria equipe de cientistas, deve ser disponibilizado na página nos próximo 30 dias, segundo Neison. Ele também será exibido em comunidades e locais pesquisados. As cidades já agendadas são Campina Grande (PB) e Petrolina (PE). 

quarta-feira, abril 05, 2017

Desmatamento leva raposas a iniciar perigoso 'namoro'
REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
05/04/2017  02h00
Duas espécies de raposas do Brasil, separadas há muitos milhares de anos pela mata atlântica, estão cruzando entre si e produzindo filhotes híbridos, talvez porque a derrubada da maior parte da floresta tenha eliminado a principal barreira que existia entre elas.
As protagonistas desse estranho namoro são a raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus), típica do cerrado, e o graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), natural dos pampas gaúchos.
                                      Raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus), típica do cerrado
                      Graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), natural dos pampas gaúchos
Segundo pesquisadores da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), é no território do Estado de São Paulo que as duas espécies estão se misturando, e a situação inspira cuidados: dependendo de como o processo continuar, boa parte da riqueza genética original dos bichos pode acabar se perdendo.
Um dos autores da pesquisa, o doutorando maranhense Fabricio Silva Garcez, conta que a primeira pista de que havia algo estranho acontecendo veio de um trabalho anterior (da mestranda Marina Favarini, na PUC-RS), no qual dois bichos que tinham sido classificados morfologicamente (ou seja, com base na aparência física) como L. vetulus acabaram apresentando material genético de L. gymnocercus.
PAPAI E MAMÃE
Para ser mais exato, os misteriosos animais tinham mtDNA (DNA mitocondrial) da espécie sulina. Ocorre que o mtDNA, presente apenas nas mitocôndrias, as usinas de energia das células, quase sempre é transmitido das mães para seus filhos ou filhas –em geral, nenhum animal herda o mtDNA do pai.
O dado, portanto, parecia indicar que ao menos uma fêmea de graxaim havia tido filhotes com um macho de raposinha-do-campo.
Durante seu mestrado, orientado por Eduardo Eizirik (da PUC-RS) e Ligia Tchaicka (da Universidade Estadual do Maranhão), Garcez analisou amostras de DNA de dezenas de indivíduos de ambas as espécies, colhidas numa área ampla, que vai do Maranhão ao Rio Grande do Sul. (As análises genéticas foram feitas a partir do sangue colhido de bichos capturados e de amostras da carcaça de raposas atropeladas Brasil afora, coisa que infelizmente é comum).
Além do mtDNA, a equipe estudou ainda trechos do DNA do núcleo das células, conhecidos como microssatélites (que parecem uma "gagueira" de letras químicas de DNA, com pequenos trechos que se repetem várias vezes).
Tais análises confirmaram a suspeita inicial: seis bichos paulistas tinham toda a pinta de ser híbridos, inclusive de segunda geração (ou seja, netos do cruzamento original entre as duas espécies). Cinco deles tinham, de novo, mtDNA de graxaim, enquanto o sexto indivíduo apresentou sinais de hibridização apenas no DNA do núcleo das células.
Ou seja, por enquanto parece que o cruzamento de machos de raposinha-do-campo com fêmeas de graxaim é mesmo mais comum, embora não seja a única possibilidade.
"Isso é curioso porque, em outras zonas híbridas de canídeos [o grupo dos cães, lobos e raposas], normalmente o macho é o da espécie de maior porte, mas no nosso caso o L. gymnocercus é maior", diz Garcez. Ainda é cedo para dizer com exatidão o que tem levado essas fêmeas a se deslocar rumo a São Paulo e por que o mesmo não estaria acontecendo com os machos da espécie sulina.
Agora no doutorado, Garcez está ampliando as análises para tentar entender em detalhes o que está acontecendo no contato entre as duas espécies, as quais formam a primeira zona híbrida de canídeos confirmada na América do Sul (na América do Norte, há o exemplo muito estudado da zona híbrida entre lobos e coiotes).
Os dados de DNA também podem confirmar a hipótese de que a hibridização é culpa da ação humana –se ela for um evento recente, cresce a possibilidade de um elo com a derrubada da mata atlântica. Afinal, as duas espécies são típicas de ambientes abertos, sem floresta densa. "Quando você remove essa barreira, com o aparecimento de pastagens e plantações no lugar da mata, a tendência é que elas acabem entrando em contato", diz Garcez.
O gênero Lycalopex, ao qual ambas as raposas pertencem, diversificou-se há relativamente pouco tempo em termos evolutivos (a partir de cerca de 1 milhão de anos atrás). Mesmo assim, apesar de serem fisicamente parecidas e de conseguirem cruzar entre si, as espécies possuem hábitos consideravelmente diferentes. A raposinha-do-campo normalmente se alimenta de cupins e frutas do cerrado, enquanto o graxaim, como bom gaúcho, inclui uma proporção maior de carne em sua dieta.
"Se todos se tornarem híbridos, vai ser algo muito ruim porque, na prática, duas espécies vão acabar desaparecendo por causa da intervenção humana", diz Garcez.
-
CASAMENTO INESPERADO
Entenda a mistura entre as duas espécies de raposas
1 - As áreas de vegetação aberta do Brasil abrigam duas espécies de raposas, a Lycalopex vetulus (raposinha- do-cerrado) e a L. gymnocercus (graxaim-do-campo). A segunda espécie costuma ser de maior porte
2 - As duas espécies originalmente estavam separadas pelas áreas de floresta fechada da mata atlântica...
.... mas é possível que o desmatamento tenha permitido que os bichos, antes separados, passassem a se encontrar
3 - Pesquisadores estão achando, graças a testes de DNA, animais híbridos das duas espécies. No Estado de São Paulo, nenhum animal estudado mostrou ser "puro" -praticamente todos parecem ser filhos ou netos do cruzamento dos dois animais
E DAÍ?
Se essa tendência continuar, há o risco de que boa parte da riqueza genética dessas espécies se perca, formando-se uma única grande população híbrida amalgamada 

quarta-feira, março 08, 2017

Proteção da biodiversidade é uma questão de direitos humanos, aponta relator da ONU
O mundo caminha rumo à sexta onda de extinção global de espécies, ameaçadas cada vez mais pela destruição de habitats naturais - Imagem: wildlifeday.org

08/03/2017 - Fonte: ONU
“Estamos indo em direção à sexta onda global de extinção de espécies na história do planeta”, mas países continuam fracassando em impedir o fim da biodiversidade, alertou nesta semana (1) o especialista da ONU em direitos humanos e meio ambiente, John Knox. Segundo relator, principais ameaças à fauna e à flora terrestres são a destruição dos habitats, a caça ilegal e as mudanças climáticas.
“As pessoas não podem gozar de seus direitos humanos sem os serviços que ecossistemas saudáveis fornecem. E proteger a biodiversidade é necessário para garantir que os ecossistemas permaneçam saudáveis e resilientes”, disse Knox em comunicado emitido às vésperas do Dia Mundial da Vida Selvagem, lembrado em 3 de março, e logo após a publicação do primeiro relatório da ONU sobre biodiversidade e direitos humanos.
A análise aponta que “a diversidade biológica e os direitos humanos estão interligados e são interdependentes”. Segundo o documento, entre os impactos negativos da extinção de espécies, está a queda na produtividade e estabilidade das atividades agrícolas e de pesca — o que é uma ameaça ao direito a alimentação.
Eliminar a biodiversidade também destrói fontes potenciais de substâncias medicamentosas e terapêuticas, além de aumentar a exposição a algumas doenças infecciosas e restringir o desenvolvimento do sistema imunológico humano. Segundo Knox, essas consequências podem violar o direito a vida e a saúde.
Ao acabar com mecanismos naturais de filtragem da água, a perda da diversidade de espécies de plantas e animais também um risco ao direito a água.
“As obrigações dos Estados para manter seus compromissos de direitos humanos incluem o dever de proteger a biodiversidade da qual esses direitos dependem”, alertou Knox.
O especialista afirmou ainda que, além dessa obrigação mais geral, países devem implementar medidas específicas envolvendo a divulgação de informações públicas sobre projetos que afetem a biodiversidade. Outra recomendação é garantir a participação dos cidadãos em processos decisórios. O relator cobra ainda que soluções satisfatórias e efetivas sejam encontradas em casos onde houve, de fato, perda da biodiversidade.
Populações mais vulneráveis
Knox lembrou que, embora a destruição da riqueza biológica afete a todos, as consequências mais duras atingem os que precisam diretamente da natureza para a sua vida cultural e material.
“Mesmo quando devastar florestas ou construir represas trazem benefícios econômicos, esses benefícios são normalmente aproveitados desproporcionalmente pelos que não dependem diretamente do recurso (envolvido) e os custos são impostos desproporcionalmente aos que dependem”, disse o relator.
O especialista acrescentou ainda que a proteção dos direitos de povos indígenas e de outras comunidades dependentes de ecossistemas naturais é, além de uma obrigação de direitos humanos, a melhor maneira para preservar a biodiversidade.
“Sobre isso, são particularmente perturbadoras as ameaças crescentes e a violência contra os que protegem a biodiversidade de caçadores, traficantes e negócios ilegais”, acrescentou Knox, que explicou que os que arriscam suas vidas pela biodiversidade “não são apenas ambientalistas, são também defensores dos direitos humanos”. Para o relator, governos devem se empenhar em proteger ativistas.