A morte do leão Cecil inicia o debate: a caça
esportiva pode ajudar na conservação?
por
Fábio Paschoal em 31 de julho de 2015
O leão mais amado do
Zimbábue, foi morto por caçadores esportivos. R.I.P. Cecil – Foto: Reprodução
do YouTube
A morte de Cecil, o mais querido e mais
fotografado leão do Zimbábue, na África,
noticiada esta semana, chocou pessoas em várias partes do mundo. Uma carcaça
foi utilizada para atrair o animal para fora do Parque Nacional Hwange, onde a caça
esportiva é
proibida. Logo depois ele foi alvejado com uma flecha. Cecil conseguiu escapar,
resistiu por dois dias, mas foi rastreado pelos caçadores e morto com um
tiro na concessão de caça Gwaai. A cabeça e a pele foram levadas como
troféus.
Cecil
tinha 13 anos e era pai de pelo menos 12 filhotes, que devem morrer quando um
novo macho tomar seu lugar. O leão que assume um bando mata os filhotes de seu
antecessor para fazer as fêmeas entrarem no cio e iniciar sua família.
Uma fonte que está familiarizada com o problema (e pediu para
não ser identificada) entrevistada por Adam Lure, em seu artigo “A morte do
leão mais amado do Zimbábue inicia um debate sobre a caça esportiva” (Death of Zimbabwe’s Best-Loved Lion Ignites Debate on Sport Hunting,
no título original em inglês), publicado no site de National
Geographic, diz que grandes felinos podem
ser atraídos para fora de reservas protegidas com iscas colocadas em áreas onde
a caça é permitida. Segundo a fonte, não há grandes leões nas
áreas de concessão de caça, apesar das alegações da prática de caça
sustentável.
Jane Goodall,
primatóloga e autora de um dos mais belos estudos científicos já realizados no
mundo, expressou seu repúdio em seu site: “Fiquei chocada e indignada ao ouvir
a história de Cecil, o leão mais amado do Zimbábue. Para mim, é incompreensível
que alguém tenha vontade de matar um animal ameaçado de extinção (hoje, existem menos de 20.000 leões
selvagens na África). Mas atrair Cecil para fora da área de segurança de um
parque nacional e, em seguida, matá-lo com uma flechada…? Não tenho palavras
para expressar minha repugnância,” e concluiu: “E esse comportamento é descrito
como esporte.”
O impacto da caça esportiva nos bandos de leões
Entre 1999 e 2004, um estudo da Wildlife Conservation
Research Unit at Oxford University, liderado pelo Dr. Andrew
Loveridge, analisou o impacto da caça esportiva na dinâmica de uma população de
leões do Parque Nacional Hwange (Para saber mais acesse: The impact of sport-hunting
on the population dynamics of an African lion population in a protected area)
62 leões
receberam colares com GPS. 34 leões morreram durante o estudo. 24 foram
baleados em áreas próximas ao parque por caçadores esportivos (13 machos
adultos, 5 fêmeas adultas, 6 machos sub-adultos). A caça esportiva foi
responsável pela morte de 72% dos machos adultos estudados. A proporção entre
machos e fêmeas que era de 1:3 passou para 1:6 em favor das fêmeas. Os
territórios deixados pelos leões que morreram foram ocupados por leões que
migraram de áreas próximas e infanticídio foi observado.
Um outro estudo (Socio-spatial behaviour
of an African lion population following perturbation by sport hunting)
realizado no Hwange, analisou o comportamento da população de leões antes e
após a legalização da caça esportiva nos arredores do parque. As evidências
sugerem que bandos de leões que são perturbados pela caça esportiva apresentam
movimentos erráticos, tem uma probabilidade maior de deixar o parque e,
consequentemente, estão mais propensos a entrar em conflito com humanos que
moram nas fronteiras da reserva.
A caça esportiva regulamentada
Mesmo assim, ainda existem argumentos a favor da caça esportiva.
Reservas de caça estabelecem cotas e apenas alguns animais podem ser abatidos
por ano. Segundo o artigo “A caça esportiva de leões pode ajudar na conservação?”
(Can Lion Trophy Hunting
Support Conservation?, no título original em inglês), publicado no
site de National Geographic, alguns cientistas, o Serviço Americano de Peixes e
Vida Selvagem (USFWS), e alguns grupos de conservação (incluindo o WWF) apoiam
a caça esportiva regulamentada. Os defensores dizem que a atividade levanta
muito dinheiro, necessário para a conservação das espécies, e pode ajudar no
gerenciamento das populações se as autoridades exigirem que os caçadores
escolham animais que perderam a capacidade de se reproduzir ou que possam
inibir a reprodução de outros ao seu redor.
Autorizações
para a caça esportiva são permitidas por tratados internacionais, desde que uma
parte significativa dos recursos seja destinada à conservação das espécies na
natureza e que seja comprovado por estudos científicos que a morte dos
indivíduos selecionados não irá colocar a espécie em risco. Porém, os críticos
dizem que a prática está sujeita à corrupção, alimenta a procura de produtos de
animais selvagens no mercado negro e as medidas regulatórias são muito difíceis
de serem aplicadas na prática (a morte de Cecil é um exemplo disso).
O Vídeo
abaixo, filmado por Bryan Orford, mostra Cecil no Parque Nacional Hwange
Para mim, é difícil acreditar na ideia de matar animais para
ajudar na conservação. Mais difícil ainda é derrubar o argumento de Bryan
Orford, guia de ecoturismo que trabalhou em Hwange, filmou Cecil várias vezes e
deu seu depoimento para a reportagem de Adam Lure. Segundo Orford, Cecil era a
principal atração do parque nacional e atraía turistas do mundo inteiro. O guia
calcula que as pessoas hospedadas em apenas um dos hotéis nas proximidades do
parque pagam coletivamente 9.800 dólares por dia. Em apenas cinco dias de
fotografias com Cecil, o Zimbábue ultrapassaria os lucros obtidos com a taxa de
45.000 dólares para a caça esportiva. Estive na África para fazer safáris fotográficos e
concordo plenamente com Orford.
O único
lado bom disso tudo foi levantado por Jane Goodall: “Pessoas leram a história e
também ficaram chocadas. Seus olhos se abriram para o lado negro da natureza
humana. Certamente eles estarão mais preparados para lutar pela proteção dos
animais selvagens e os lugares selvagens onde vivem. É aí que reside a
esperança.”
Descanse
em paz, Cecil.
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