O GRANDE BAGRE EM APUROS
Ameaçado por
pesca predatória e hidrelétricas na Amazônia, o peixe que empreende a mais
longa migração do mundo pode desaparecer
POR GUSTAVO
FALEIROS
10 DE AGOSTO DE 2017 12:29
O ano de 2007 tinha tudo para trazer a redenção ao ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Os abalos do Mensalão haviam arranhado sua
reputação, mas não tiveram força para apeá-lo do poder: Lula fora reeleito no
ano anterior, no empuxo de um PIB com crescimento de 4%, às vésperas de um
cenário que já soprava os ventos da crise que se abateria sobre o mundo. Em
fins de janeiro, Lula anunciou o Plano de Aceleração do Crescimento, com
promessa de investir meio trilhão de reais em infraestrutura, a ponta de lança
do novo mandato.
Mas – e o presidente não podia imaginar – haveria um peixe em seu
caminho. Em março, um parecer elaborado por técnicos do Ibama sugeria o veto à
construção de duas hidrelétricas no rio Madeira, obras-chave para a visão de
Brasil grande que rondava os círculos petistas. As usinas Santo Antônio e
Jirau, insistia o Ibama, seriam fatais para a dourada, um grande bagre que
habita quase toda a bacia Amazônica e protagoniza a maior migração do
mundo: de 8 mil a 11 mil quilômetros durante toda a vida. As barreiras de concreto
projetadas para as usinas impediriam o peixe de seguir seu curso. Incomodado
com o relatório do órgão ambiental, Lula contra-atacou numa reunião com seu
conselho político: “Agora jogaram o bagre no colo do presidente.”
Passados dez anos – usinas construídas e propinas denunciadas pela
Lava Jato –, o peixe segue sendo fonte de preocupação. Além das hidrelétricas
nos afluentes do Amazonas, também a sobrepesca – pela quase total ausência de
fiscalização –, está fazendo com que a Brachyplatystoma rousseauxii se
torne artigo raro onde antes abundava.
Pesquisadores que investigam a situação da dourada falam em um
iminente colapso do estoque do peixe, e propõem uma ação radical – a proibição
temporária de pesca e o veto total à construção de usinas na Amazônia andina,
onde os países vizinhos planejam novas obras. Atualmente, não existe qualquer
controle para a captura da dourada, e os planos hidrelétricos avançam.
O grande bagre migrador da Amazônia é um recordista. Enquanto
jovem, ele nada dos Andes à foz do Amazonas. Depois, retorna na maturidade para
reproduzir e desovar nas cabeceiras do grande rio. Sua viagem é maior que a do
salmão, peixe que acreditava-se empreender a maior jornada da natureza.
Neste trajeto, a espécie sustenta milhares de pescadores do
Brasil, da Bolívia, da Colômbia e do Peru. Sua captura está relacionada a um
mercado milionário de exportação de peixes sem escamas, ou peixes-lisos, como
dizem os amazônidas.
O rio Madeira, formado por dois grandes afluentes – o Mamoré, que
faz fronteira com a Bolívia, e o Madre de Dios, que vem do Peru –, é uma das
principais rotas de subida da dourada e outros grandes bagres migradores em
direção aos locais de desova. Hoje, os pesquisadores que acompanham os impactos
da construção de Santo Antônio e Jirau, as duas usinas brasileiras, sabem que
as douradas adultas não estão conseguindo transpor as barragens.
Rosseval Leite, pesquisador do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa), fez experimentos que comprovam que os jovens
conseguem passar pelas turbinas. Mas os adultos, não. “O panorama no rio
Madeira é sombrio. Se não encontrarem um forma para a subida dos adultos, em
poucos anos, naquele rio em que se construiu a hidrelétrica, há a possibilidade
de os bagres não chegarem nas cabeceiras”, disse em seu escritório em Manaus,
em meio a quadros e livros sobre as principais espécies de peixe da Amazônia.
“Se isso de fato ocorrer, não haverá a reposição da população.”
Durante uma viagem de sessenta dias, do Peru ao Brasil, passando
por portos pesqueiros, mercados, feiras de rua e frigoríficos, ouvi reclamações
de que o tamanho e a quantidade das douradas (ou zungaro dorado para
os peruanos) já não são os mesmos de anos atrás.
Em Tabatinga, Augusto da Costa Araújo, filho de pai colombiano e
mãe brasileira, falou sobre os bagres. Ele está no comércio de peixe liso há
vinte anos, na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia – compra o
peixe no lado peruano para comercializar nas bodegas colombianas, como são
chamados os frigoríficos de peixe na cidade de Leticia.
Na alta temporada, quando começam as migrações da dourada e outros
bagres, ele transporta entre cinco a sete toneladas de peixe para a Colômbia.
No dia em que o encontrei, ele estava supervisionando a chegada de uma carga em
um barco peruano.
Embaixo de uma tremenda chuva, Araújo acompanhava a retirada de
uma tonelada de bagres de um grande caixote de madeira lotado de gelo. A maior
parte da carga era de piraíbas, um bagre gigante que pode chegar a 3,6 metros
de comprimento. Mas havia também pelo menos 80 quilos de douradas que não
passavam de um metro, algo incomum anos atrás, quando as capturas se
aproximavam de seu tamanho médio, 1,5 metros.
“Antigamente tinha muito mais peixe. O governo colombiano está até
fazendo campanha para que não se compre peixe pequeno, mas o trabalho nesta
Amazônia é difícil”, disse ele enquanto apontava para os bagres. “Se o pescador
pega peixinho, ele vende. Se não é na bodega, é no mercado”, pontuou, com um
sotaque misturado de português com espanhol.
Na parte brasileira não é diferente. Quase todo bagre pescado no
rio Solimões é vendido diretamente para os frigoríficos que, depois, os enviam
à Colômbia. Todos os municípios na calha do rio têm uma economia altamente
conectada com a forte indústria de Leticia. José Maria Miller Nascimento, é um
empresário conhecido de Santo Antônio do Içá, cidade brasileira que está a 200
quilômetros da fronteira. Agitado, sempre distribuindo ordens aos empregados,
ele foi um pioneiro na instalação de um frigorífico nesta parte do Solimões.
Durante o período da piracema, Nascimento chega a comprar trinta
toneladas de bagres dos pescadores locais. Armazena tudo nas câmaras frias de
seu comércio flutuante, que tem capacidade para até setenta toneladas. Em uma
visita ao seu frigorífico, ele me contou que, agora, a compra está concentrada
em outros tipos de bagre. “A dourada já foi um bom negócio há dez anos. Hoje o
que está dando muito é surubim, o pintado.”
Opescador Izaías Freitas dos Santos preside uma associação com 800
pescadores em Santo Antônio do Içá. Ele fala de um tempo em que a pescaria
ainda valia a pena. “Tinha um momento que tinha muito peixe mesmo, hoje só
ficou a lembrança.” Em uma manhã de julho, saímos para pescar acompanhados de
seu sogro, Raimundo Souza dos Reis, um homem de 54 anos que passou a vida nas
águas amazônicas. Fomos conferir as poitas (linhas com vários anzóis armados) e
as malhadeiras (redes de pesca) deixadas por eles em áreas alagadas e próximas
às margens dos paranás, os rios que correm nas laterais dos de maior porte,
neste caso, o Solimões.
Eles não partem mais em busca da dourada. A esperança era achar
pirarucu, talvez um surubim ou caparari. Mas a pescaria não foi bem-sucedida e
só encontramos uma pirapitinga, um tipo de peixe mais comum e menos valorizado.
Reis conta saudoso do tempo em que as douradas se prendiam na poita. Os
inimigos da dupla de pescadores artesanais são muito mais presentes do que as
grandes usinas hidrelétricas – hoje, com os barcos que realizam a pesca de
arrasto, puxando redes no fundo do rio como se fossem enormes vassouras, é
quase impossível que um pequeno pescador como eles, em uma canoa, consiga ver
um grande bagre. “Não sobra nada”, disse Reis. “O arrasto leva tudo.”
Quase um mês depois da desolada pescaria com Izaías e Raimundo em
Santo Antônio do Içá, em uma conversa no Museu Paraense Emílio Goeldi, em
Belém, as razões pela escassez de peixes ficaram claras. “A dourada é
pressionada na Amazônia inteira. E o pior problema é no estuário, onde se
concentra essa pesca industrial”, afirmou Ronaldo Barthem, biólogo marinho e
pesquisador que há pelo menos vinte 20 anos é uma das principais referências em
grandes bagres da Amazônia. Ele começou a investigar a pesca amazônica em 1978,
quando mudou-se do Rio de Janeiro para Manaus para trabalhar no Inpa. Depois,
quando transferiu-se para Belém, nos anos 80, passou a pesquisar
especificamente a captura dos bagres no estuário.
Desde a década de 90, Barthem e seus colegas já alertavam para a
necessidade de regular a pesca de arrasto, onde dois barcos navegam em paralelo
puxando redes de até 50 metros de largura por 40 de altura. “Eles realmente
limpam o fundo e pegam bastante peixe jovem.”
Desta forma, ele explicou, os peixes estão sendo impedidos de
crescer. O resultado é que cada vez menos adultos são encontrados no Alto
Amazonas. Ali, estariam com tamanho entre 90 e 110 centímetros, e prontos para
subir em direção às cabeceiras para reproduzir. Junta-se isso ao impacto das
hidrelétricas e pode-se dizer que o futuro da pesca da dourada não parece
promissor.
O velho problema juntou-se a um novo: Barthem acompanha
diretamente os estudos sobre o impacto das usinas do rio Madeira. “Estamos lá
juntando os dados e vendo o que acontece. Ainda tenho esperança que a dourada
vai passar pelas usinas. Mas, até agora, nenhum peixe conseguiu.” Por isso
novas usinas são o principal temor do pesquisador, principalmente as planejadas
na Amazônia andina.
Os impactos das atividades no estuário do Amazonas são sentidos a
vários quilômetros de distância. Em Nauta, onde os rios Marañón e Ucayali se
unem para formar o rio Amazonas do lado peruano, a 400 quilômetros da fronteira
com o Brasil, José Paredes, de 74 anos, trabalha há cinquenta como vendedor de
filés de bagre no mercado municipal. “Em 1969 havia douradas para dar e vender.
Isso durou até 1984, e aí começou a diminuir com o arrasto. Agora vem um, dois
ao mês. Às vezes, nada”, afirmou.
O casal Meneleo Hualinga e Rosa Altilla desperta todo dia de
madrugada desde os tempos em que juntos atuavam na pescaria. Por trinta e cinco
anos ele pescou e ela limpou os bagres do Marañón. Há oito, trabalham no
mercado de Nauta como vendedores. Trocar o rio pela terra firme virou melhor
negócio. “O preço segue se elevando cada dia mais e mais. Se você trouxesse um
como esse (aponta para um peixe de 40 centímetros), ninguém queria comprar
porque era pequeno, porque havia alguns grandes. Mas agora até os
recém-nascidos eles trazem”, disse o antigo pescador.
A opinião dos pescadores e comerciantes locais não destoa dos dados
apresentados nos últimos anos em artigos científicos na Colômbia e no Peru. O
desembarque de bagres foi reduzido em Iquitos e Leticia, dois dos principais
portos pesqueiros do Alto Amazonas. No Brasil, no entanto, não existem dados
sobre a atividade, nem mesmo no estuário onde a pesca é intensa.
Os dados de desembarque mais recentes foram
publicados em 2012 na revista Folia Amazónica, por um grupo de
cientistas colombianos liderados pela pesquisadora Aurea García, do Instituto
de Investigaciones de la Amazonía Peruana (IIAP). Entre 2008 a 2012, a dourada
representou apenas 0,04% de todos os peixes que chegavam aos portos pesqueiros
de Iquitos, uma cidade de 437 mil habitantes no coração da selva.
“As espécies pequenas de bagre já estão substituindo as espécies
grandes, como a dourada e a piraíba, ou mesmo o surubim e o caparari”, explicou
García, em entrevista em uma das unidades do IIAP em Iquitos.
Segundo ela, a piracatinga (ou mota, em espanhol) se
tornou a mais conhecida entre as pequenas que passaram a ocupar o mercado. Mas
outras, que não eram sequer consumidas, já aparecem nos registros pesqueiros.
Viraram mercadoria pela escassez dos grandes bagres.
Leticia é o epicentro da indústria de compra, processamento e
exportação de grandes bagres. A forte demanda, iniciada no fim dos anos 60,
criou uma zona de pesca de 2 000 de rio quilômetros que se estende de Iquitos
até, pelo menos, Tefé, no Amazonas.
Barcos pesqueiros, frigoríficos e pescadores artesanais se dedicam
à captura do peixe-liso para vender em Leticia, onde toneladas são preparadas
para o envio à capital Bogotá e a outros países. A vantagem de Leticia é estar
conectada diretamente, via aérea, com a maior cidade da Colômbia, região onde
vive a parcela mais rica da população do país.
Os bagres da bacia do Magdalena, rio no norte do país e constante
cenário das novelas do escritor Gabriel García Márquez, eram muito apreciados
pelos colombianos. Mas depois de explorados à exaustão, praticamente sumiram,
deixaram um mercado aberto para os seus primos amazônicos de maior porte.
O primeiro pescado a sair da Amazônia para Bogotá, ainda nos anos
60, foi o pirarucu, que, salgado, era consumido durante a Semana Santa. Depois
do pirarucu vieram então os do gênero Brachyplatystoma, gênero dos
bagres colossais, como a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), e a
dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), cujo recorde de tamanho
registrado é de 1,92 metro.
Inicialmente, a carne destes peixes foi preservada em mantas
salgadas, mas a partir, dos anos 80, vários frigoríficos se instalaram na
região permitindo a exportação de peixe congelado.
Curiosamente, a cadeia produtiva dos bagres também cresceu devido
às peculiaridades da cultura do ribeirinho do Alto Amazonas e do Solimões. Por
ali, nunca se come a carne do peixe-liso, prefere-se o peixe de escamas, como o
jaraqui, o tambaqui ou a pirapitinga.
Alguns relacionam esta preferência ao gosto da carne dos bagres,
forte, ou remosa, como se diz na Amazônia. Causaria até doenças, acreditava a
população local. Mas há quem enxergue nessa preferência apenas uma razão
socioeconômica. Como o bagre rende deliciosos filés sem espinhas, passou a ser
aproveitado pelos ricos, pelos consumidores das cidades, tornando ao ribeirinho
vantajosa a venda, e não o consumo próprio.
O colombiano Edwin Agudelo é um dos principais pesquisadores do
comportamento migratório da dourada e também sobre os altos e baixos da
indústria pesqueira da Amazônia. Coordenador do Instituto Amazónico de
Investigaciones Cientificas em Leticia, ele defende medidas mais duras para
conter a diminuição da dourada. “Em termos da biologia destes peixes, nós os
estamos levando ao colapso”, disse, em tom grave.
Segundo Agudelo, o auge da pesca da dourada ocorreu ainda nos anos
90. Em 1998, como mostram dados de desembarque em Leticia, 12 mil toneladas dos
peixes-lisos foram comercializados no porto, sendo que 40% do gênero era
justamente de Brachyplatystoma.
A partir deste momento, a captura de bagres foi caindo. Em 2005,
já havia se reduzido a 7,5 mil toneladas. Alguns anos depois, em 2010, quando
os últimos dados foram coletados, a produção foi de 6,8 mil toneladas – quase a
metade em pouco mais de uma década.
Agudelo prevê que em 2030 a indústria de Leticia estará reduzida a
um quarto de seu apogeu dos anos 90. Em uma simulação de rendimento pesqueiro
realizada para a área por meio do software Ecopath, ele e parceiros de pesquisa
chegaram a um futuro de apenas 3,5 mil toneladas anuais, já sem a presença da
dourada.
Para evitar este cenário, ele propõe um primeiro ensaio de defeso,
ou seja, de restrições à pesca, algo que jamais existiu. Isso ocorreria de
acordo com o pulso de inundação do rio Amazonas, pois é no momento da mudança
no nível da água que a dourada começa a migrar rio acima.
Assim, durante a movimentação dos cardumes juvenis na parte
brasileira, haveria cotas de captura para garantir que os peixes possam seguir
crescendo e cheguem ao Peru e à Colômbia, onde atingem a maturidade e se
reproduzem.
“Se isso não funcionar, o que deveríamos fazer no caso da dourada
e da piraíba é acabar com a pesca, proibir. Mas para fazer isso teríamos que
levantar, num prazo curto, o impacto econômico desta medida, pois não existem
dados sobre quem depende desses peixes”, ressaltou o pesquisador colombiano.
No início dos anos 2000, o Brasil regulou a pesca de piramutaba, um
tipo de peixe cujos cardumes estavam sendo exauridos pela pesca industrial. A
medida teve um impacto bastante positivo que foi além das fronteiras. A
quantidade de desembarques da espécie voltou a subir nos portos de Iquitos entre
2008 e 2012, segundo a pesquisa do IIAP.
Mas a questão da dourada é mais delicada. É preciso que os
governos dos três países trabalhem juntos na gestão dos recursos pesqueiros, já
que a espécie é pescada em todo o rio. “É um tema de soberania, seria preciso
envolver as chancelarias”, disse Agudelo.
O primeiro encontro internacional sobre os bagres migratórios
aconteceu ainda em 1995, com apoio da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO). Mas o tema parece ter interessado somente aos
pesquisadores e técnicos. Nada foi feito até agora, 22 anos depois do encontro.
Michael Goulding, colega de trabalho de Barthem no Museu Paraense
Emílio Goeldi, publicou junto ao brasileiro, em 1997, o livro Os Bagres
Balizadores, que foi a primeira obra a lançar a hipótese de que algumas
espécies de peixes-gato da Amazônia realizavam migrações de longa distância, em
especial duas do gênero Brachyplatystoma, a dourada e a piramutaba.
Junto aos estudos do ciclo de vida, a publicação foi ousada em propor
uma visão integrada no gerenciamento da bacia Amazônica levando em conta a
migração dos peixes. Tanto que em inglês, o livro editado pela Universidade
Columbia, ganhou o sugestivo título de The Catfish Connection,
indicando que os bagres eram “viajantes sem fronteira”, o que deveria ser
levado em conta em projetos de infraestrutura, em especial as hidrelétricas.
Barthem conta que recebeu muitas críticas – colegas disseram que
os então jovens pesquisadores não tinham uma visão global sobre o problema. “Muita
gente achou que a hipótese não era válida pois havia meia dúzia de dados. Mas
os dados eram muito claros, eram gritantes”, conta. As evidências tinham sido
coletadas em diversas viagens de barco de pesca que saíam do estuário,
acompanhando a migração. “Eu comecei no estuário e fui parar no Peru.”
Anos de pesquisa sobre os grandes migradores permitiram que
Barthem, Goulding e colegas do Inpa, em especial Rosseval Leite, publicassem um
artigo seminal em fevereiro deste ano na revista Nature. Foi nele
que os pesquisadores cravaram a teoria de que a dourada é o maior peixe
migrador do planeta, tomando o posto do salmão.
O estudo se baseia em observações feitas desde os anos 80 sobre a
disponibilidade e o estágio de maturação da dourada e outros 3 grandes bagres
em diversos pontos da bacia Amazônica. Exemplares maduros foram encontrados nas
proximidades de Machu Picchu, no rio Urubamba, a 5 788 quilômetros da foz do
Amazonas.
Ao mesmo tempo, foram feitas medições das larvas da dourada
conforme elas iam descendo o rio. Assim, viram que o indivíduo pequenino, com
menos de 10 centímetros, só existe no estuário. Por outro lado, nesta mesma
área, nunca se encontram douradas com as gônadas cheias de ovos. Essas só mesmo
nas cabeceiras. Isso evidenciava a importância da migração que a pesca de
arrasto e as hidrelétricas estão impedindo.
A esperança, agora, é manter as áreas rio acima preservadas, já
que ao menos os peixes que chegaram nas cabeceiras antes da construção das
grandes obras continuam se reproduzindo. Para Barthem, o que vai garantir a
sobrevivência da dourada é unir manejo da pesca com a conservação de seus
habitats. “Eu acho que em termos de extinção de espécie, estamos longe, ainda
dá tempo de reverter. Mas em termos de mercado, do jeito que vai, nós estamos
comprometendo o nosso bolso.”